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CUMPLICIDADE EPISCOPAL

Atualizado: 24 de jun.

Bispo de Marília (SP) mantém no cargo padre acusado de discriminação a criança autista de 13 anos e assédio moral a ex-funcionárias demitidas da Paróquia Sagrada Família. Autistas Brasil manifesta repúdio e Comissão Especial de Pessoas com Deficiência da OAB-SP acompanha caso.


O bispo de Marília, dom Luiz Antonio Cipolini e o padre Roger Zanotti Rodrigues em missa de posse, em 2022

Menos de dois meses após receber relatório com acusações de supostas infrações canônicas e criminais contra um padre incardinado na Diocese de Marília, o bispo diocesano, dom Luiz Antonio Cipolini deu seu ‘veredicto’ na quarta-feira (19).

Em comunicado pessoal e restrito ao gabinete episcopal, o bispo informou ao padre Roger Hermínio Zanotti Souza Rodrigues a sua permanência como pároco da Paróquia Sagrada Família de Marília.

Dom Luiz manifestou sua decisão apenas três dias depois da última deliberação sobre o assunto em reunião do Conselho de Presbíteros – órgão diocesano que o auxilia, por exemplo, em questões do clero. Não houve unanimidade, segundo apurou o blog.

Procurados, o bispo de Marília e o padre não haviam se manifestado até a publicação, nesta sexta-feira (21). O espaço segue aberto e este texto será atualizado. Submetidos ao voto de silêncio, os membros do conselho não emitem declarações.

 

DISCRIMINAÇÃO

Entre as denúncias listadas contra o padre no relatório redigido por paroquianos e entregue ao bispo através de seu vigário episcopal, o padre Wagner Antonio Montoz, pelo menos uma avança além da competência jurídica da Igreja Católica.

O sacerdote é acusado de ter supostamente praticado crime de discriminação a um menino autista de 13 anos cuja família buscou vaga na catequese e, ainda, assédio moral a ex-funcionárias demitidas por ele.

Em ambos os casos, o bispo colheu pessoalmente os depoimentos de pessoas envolvidas – a mãe do garoto autista e duas ex-funcionárias – e, apesar da gravidade das declarações, optou por manter o padre em seu cargo.



Transcrevemos abaixo, na íntegra, a carta redigida pela mãe e encaminhada ao bispo, com detalhes sobre como teria sido atendida pelo padre que, segundo ela, julgou a criança “indigna” para receber o sacramento da comunhão.

 

“Vossa Reverendíssima, Dom Luiz Antônio Cipolini,

 

No dia 07 de fevereiro de 2024 procurei a Igreja Sagrada Família para inscrever meu filho (nome ocultado) e minha irmã (nome ocultado) na catequese.

Mas meu pedido era: que se possível, que a minha irmã ficasse na mesma turma que o meu filho, pois o mesmo é portador do TEA – Transtorno do Espectro Autista.

Pois caso ele não aceitasse a minha irmã na mesma turma, eu, como mãe, que iria acompanhar ele (sic). O meu filho tem total entendimento, mas muita dificuldade em fazer amizades, pois além do autismo é muito tímido.

Como toda criança autista, não deixamos elas (sic) em ambientes que são novidades e estranhos para eles, e com a minha irmã acompanhando isso não seria problema.

Sendo assim, a secretária ficou de passar o caso para o padre da paróquia o Roger Zanotti Rodrigues. E a secretária da paróquia avisou sobre os documentos e a inscrição até o dia 15 de fevereiro de 2024. Ressaltando que esperei meu filho ser alfabetizado para só assim fazer a catequese.

No dia 14 de fevereiro, meu marido foi até a paróquia com os documentos do meu filho e da minha irmã para fazer a inscrição. Ele fez somente a do meu filho, pois da minha irmã precisava a minha mãe assinar. Mas o padre queria conversar com nós, os pais, conversa essa que achei que fosse pelo caso de a minha irmã não fosse ficar na mesma turma que o meu filho. E assim ficamos de ir no dia 15  de fevereiro conversar com o padre Roger Zanotti Rodrigues.

No dia 15 de fevereiro minha mãe veio na paróquia de manhã para assinar a documentação da minha irmã, mas não foi possível porque as fichas estavam com o padre Roger Zanotti Rodrigues, e ela não podia ir com nós (sic) mais tarde porque já estava atrasada para o trabalho e a mesma não conseguia retornar de novo.

Como já estávamos agendados para conversar o padre no mesmo dia, achamos que não teria problema em minha mãe assinar depois.

Mas a conversa com o padre Roger não foi o que esperávamos. Estávamos eu, meu marido, os dois adolescentes, meu filho com 13 anos e minha irmã, com 16 anos .

O padre Roger Zanotti Rodrigues nos recebeu e explicamos o porquê queríamos que a minha irmã fosse (sic) na mesma turma com o meu filho. O Roger fez as seguintes  perguntas para o meu filho:

 

1.      Se o meu filho ajuda em casa? Onde o meu filho respondeu que sim

2.      E o que ele fazia ? Meu filho respondeu que pega os papeis do chão

3.      Se o meu filho estuda? Onde ele também respondeu que sim

 

Só ressaltando que esse padre é alguém que meu filho não conhece, não tem intimidade. Sendo assim, o meu filho não  prolongou a conversa. Não se conhece uma criança autista em 3 minutos e com essas perguntas.

E em 30 segundos de conversa, o padre Roger Zanotti Rodrigues disse que meu filho é incapaz de compreender o que é o sacramento. Sendo assim, ele iria procurar alguém que atendesse meu filho sozinho, e não com o grupo de catequistas.

Mas, não garantia que ele iria até o fim, pois se o meu filho não compreendesse como o Roger Zanotti Rodrigues quer que ele entenda, a catequese seria interrompida pois é um PECADO o meu filho RECEBER A COMUNHÃO, “QUE ELE NÃO SERIA DIGNO DE RECEBER A COMUNHÃO”.

Meu marido então o questionou assim: ”Que ele vai contra o que Jesus pregou, que defendeu os menos acolhidos e os enfermos e os mais necessitados”.

Não estendemos a conversa porque o meu filho estava presente, e ele não precisava passar por isso e ouvir um padre sendo preconceituoso.

Sendo assim, ele perguntou se a minha irmã só ia fazer a catequese somente com o meu filho. Respondemos que não, mas devido tudo aquilo, que minha mãe não tinha assinado os papeis da minha irmã, como já mencionei acima , mas que a secretária disse que depois minha mãe assinava (sic).

Ele foi confrontar a secretária, uma moça muito educada que só fez nos ajudar. A moça tem medo dele. Ela tremia, porque a maneira que ele questionava e encurralava ela na nossa frente foi desumano. Ninguém merece ser tratado daquela forma e, detalhe, ele é um padre.

Ele queria que minha mãe retornasse até as 12h00 daquele dia para assinar e fazer a inscrição da minha irmã, mas falamos que nesse dia ela não conseguia retornar pois já tinha se atrasado para o trabalho.

O padre Roger Zanotti Rodrigues, com um jeito bem arrogante e debochado, disse que não poderia fazer nada.

Viemos embora, deixei o meu filho em casa e voltei na igreja com minha irmã para explicar para o Roger Zanotti Rodrigues como funciona a INCLUSÃO, porque colocar meu filho sozinho em uma sala com uma pessoa para dar a catequese isso se chama EXCLUSÃO.

E contei que meu filho desde 2 aninhos faz terapia, que ele tem entendimento sim, e caso ele não fosse bem na catequese a decisão de tirar meu filho é dos pais e não dele .

Mas, segundo ele a igreja determina assim. Que a igreja não aceita meu filho por ser autista com o grupo de catequistas. Respondi que essa decisão foi dele e não da igreja.

Já passamos por muita exclusão, mas da igreja jamais imaginei. Paróquia onde o meu filho foi batizado e sempre foi acolhido pelos outros padres”

 

Segundo o especialista em Direito das Pessoas com Deficiência, o advogado Lucas Dantas, o tratamento dispensado pelo padre ao garoto autista caracteriza o crime de discriminação, disposto no parágrafo 1º do artigo 4º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em que se lê:

Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

“Neste caso, entendo que o padre deixou de adaptar a questão do ensino da catequese em razão da deficiência do fiel”, explica Dantas. A mesma lei, em seu artigo 88, prevê pena de reclusão de um a três anos, e multa.


Procurada pelo blog, a Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil) emitiu uma manifestação de “profunda preocupação e repúdio” ao caso. Confira abaixo, na íntegra:

 

A Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil) vem a público manifestar sua profunda preocupação e repúdio ao caso relatado pela senhora (nome ocultado) sobre a exclusão de seu filho autista, (nome ocultado), na Paróquia Sagrada Família em Marília, SP.

 

Infelizmente, o relato da mãe evidencia a falta de preparo e sensibilidade do Padre Roger Zanotti Rodrigues no tratamento e acolhimento de uma criança autista no contexto da catequese. A atitude do padre, ao negar a inclusão de (menino autista) no grupo de catequese e tratá-lo de forma discriminatória, é inadmissível e vai contra os princípios de acolhimento, amor e inclusão pregados pela Igreja Católica e por Jesus Cristo.

 

A Autistas Brasil trabalha incessantemente para promover a inclusão e o respeito às pessoas autistas em todos os âmbitos da sociedade, incluindo o meio religioso.

 

A exclusão vivida por (menino autista) é um reflexo da desinformação e do preconceito que ainda persistem em nossa sociedade. É fundamental que casos como este sejam denunciados e que medidas sejam tomadas para garantir que todos, independentemente de suas condições, sejam respeitados e acolhidos de forma digna.

 

Reiteramos nosso compromisso com a luta pela inclusão e convidamos todas as paróquias e líderes religiosos a se juntarem a nós nesse esforço, participando de nossos programas de formação e tornando-se agentes de mudança,  acolhimento e amor fraterno.

 

Nos solidarizamos com (menino autista) e sua família e nos colocamos à disposição para qualquer suporte necessário.

 

Atenciosamente,

 

Guilherme de Almeida

Presidente da Autistas Brasil

 

Em nota, a Comissão Especial de Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou não ter detalhes do caso, mas que irá “acompanhar com atenção possíveis desdobramentos, e reforça seu compromisso em colaborar com a sociedade para garantir a inclusão e o respeito aos direitos das pessoas com deficiência”.

Somente após a exposição do caso pela mãe, em uma rede social, a paróquia providenciou uma catequista para atender o garoto autista. A oferta foi recusada com o argumento do desgaste emocional provocado pelo padre.


O garoto autista segue fora da catequese. A família informou ao blog que procurará uma paróquia que o “receba com a dignidade que ele merece”. O retorno à rotina catequética está prevista apenas para o início de 2025.

Ao contrário do procedimento adotado na Sagrada Família por seu pároco, outras comunidades católicas de Marília são inclusivas, com autistas acolhidos na catequese e ao serviço do altar, como acólitos.

 

ASSÉDIO MORAL

Empossado em dezembro de 2022 como pároco da Sagrada Família, o padre Roger Hermínio Zanotti Souza Rodrigues encontrou uma comunidade servida por uma secretária, uma sacristã e uma serviços gerais, que organizava o brechó.

Em menos de um ano, o padre demitiu as duas primeiras e a última às vésperas do Natal de 2023, sem justa causa. Ouvidas pelo blog, todas relataram convivência com humilhações frequentes com o sacerdote patrão.



“Ele me proibiu de ficar com a chave do sacrário na secretaria e disse que eu só poderia participar da Pastoral da Rua pela minha condição de divorciada”, afirmou a ex-secretária. “Entrei em pânico, emagreci dez quilos e fui demitida sem nenhuma empatia que se espera de um padre”.

As mesmas declarações ouvidas pelo blog constam em depoimentos de duas ex-funcionárias colhidos pelo próprio bispo nas últimas semanas. Pelo menos uma das demitidas confirmou que processará o padre por assédio moral.

A prática é caracterizada por condutas ofensivas, reiteradas e por tempo prolongado, seja por palavras ou comportamentos que tragam danos à personalidade, à dignidade e à integridade física ou psíquica em ambiente de trabalho.

 

RELATÓRIO

Além das acusações citadas acima, o relatório entregue ao Conselho de Presbíteros e ao bispo, a que o blog teve acesso, consta de supostas infrações canônicas que o pároco da Sagrada Família teria cometido.

Por exemplo, a reiterada recusa do padre em ministrar a unção dos enfermos a fieis à beira da morte, em inobservância à sua função de “administração do viático e da unção aos doentes”, conforme consta no cânone 530 do Código de Direito Canônico.

O blog apurou que o mesmo padre teria utilizado um suposto cálice de cerâmica em uma celebração cuja opção é reprovada pela Igreja Católica, conforme consta na Instrução Redemptionis Sacramentum.


Cálice que teria sido usado pelo pároco da Sagrada Família, em suposto desacordo com as regras litúrgicas

“Reprove-se qualquer uso, para a celebração da missa, de cálices comuns ou de escasso valor, no que se refere à qualidade (...) ou de cristal, argila, porcelana e outros materiais que se quebram facilmente (117)”.

Em abril, enquanto fieis de diferentes pastorais, indignados com a postura do padre, já se organizavam para escrever o relatório, o padre sugeriu uma ampla reforma na igreja e no salão paroquial anexo.


Proposta de reforma na paróquia, sugerida pelo pároco, dividiu comunidade e foi barrada por bispo
A proposta dividiu a comunidade. Enquanto uns apoiaram, outros manifestaram-se contrários. Por fim, segundo apurou o blog, o próprio bispo solicitou ao padre que recuasse da obra, cuja postagem foi retirada das redes sociais da paróquia.

Ao final do relatório, os paroquianos contrários à permanência do padre solicitaram seu imediato afastamento, inclusive para tratamento psiquiátrico, e a nomeação de um administrador paroquial.

 

CONSEQUÊNCIAS PAROQUIAIS

Diante da decisão do bispo pela permanência do pároco, apesar dos fatos e dos relatos, a coordenação do Conselho Pastoral de Paroquial (CPP) convocou reunião extraordinária realizada nesta sexta-feira (21), no Centro de Catequese.


Centro de Catequese da Paróquia Sagrada Família onde seria realizada reunião com conselhos nesta sexta (21)

Em pauta, a comunicação episcopal oficial à paróquia do ‘fico’ do pároco. O bispo foi representado pelo vigário episcopal, Wagner Montoz, e pelos padres Marcos Cesário da Silva e Tiago Barbosa, todos membros do Conselho de Presbíteros.

O pároco mantido também esteve presente e acompanhou, em silêncio, as críticas de membros do CPP - que ele escolheu a dedo, por critério próprio de lista tríplice - contra o diácono Ismael de Mello e ao editor deste blog, ausentes da reunião.

Na prática, a decisão do bispo endossa a autoridade do padre – e suas práticas reprovadas por parte da comunidade –, possibilita eventuais perseguições àqueles que o acusaram e desencoraja a apresentação de novas denúncias.

Sem ter o bispo a quem recorrer, resta aos paroquianos da Sagrada Família, quando do caso, encaminhar futuras demandas aos advogados, à Central de Polícia Judiciária (CPJ) e à imprensa. Este blog está à disposição.


Ignorados por bispo, fieis podem ter que recorrer à polícia para apresentação de futuras denúncias | Foto: MN

Procurada, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não havia retornado contato até a publicação desta matéria, nesta sexta-feira (21). O espaço segue aberto para eventuais manifestações.

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