À véspera de quarentena e com quórum reduzido, Legislativo estica prazo de análise de plano de carreira de servidores ao limite da lei eleitoral e revoga reajuste a vereadores
Em meio à pandemia do coronavírus que tem assolado o país, a Câmara Municipal de Marília viveu uma noite de extremos nesta segunda-feira (23), no suposto último ato antes de sua incursão no regime de quarentena, por portaria própria, a partir desta terça-feira (24) até o dia 8 de abril, em sintonia com os decretos do Executivo municipal e estadual.
Se por um lado precisou arranjar tempo dentro de seu próprio recesso de última hora para analisar um calhamaço de leis remendadas sobre o plano de cargos e carreiras dos servidores; de outro, o Legislativo acelerou os ponteiros para finalizar sua 'novela das nove': a saga da revogação do salário dos vereadores que, enfim, terminou, de repente.
A dispensa oposta de prazos é consequência do 'Efeito Covid' que acometeu a Câmara Municipal de Marília em cheio nesta segunda-feira (23) e a arrastou para o núcleo duro da tensão administrativa da cidade, iniciado desde a publicação do decreto de calamidade pública, na última sexta-feira (20).
SERVIDORES
Embora não tivesse entrado na ordem do dia, a pauta dos servidores chegou cedo à análise da Câmara nesta segunda (23). Pela manhã, sindicalistas da categoria e a presidência debateram sobre o plano de cargos e carreiras em uma 'live' realizada na sala "Nassib Cury".
Àquela altura, já se aguardava do Executivo o envio de um substitutivo provido de viabilidade ajustada à nova perspectiva pessimista de arrecadação imposta pela pandemia do coronavírus. E nem se tinha em mãos, a proposta específica aos servidores do Departamento de Água e Esgoto de Marília (DAEM).
Esta última matéria, aliás, foi protocolada apenas nesta segunda (23), já com a sessão em andamento, pelas mãos do assessor de assuntos estratégicos do Governo Alonso, Alysson Alex Souza e Silva, que também trouxe consigo os substitutivos dos projetos de lei complementar referentes aos servidores da administração direta e do Instituto de Previdência do Município de Marília (IPREMM).
A expectativa do Executivo, a exemplo do que ocorrera em dezembro de 2019 - e agora, sob regime de urgência - era de que os vereadores apreciassem tudo em uma extraordinária que já estava por vir. Não foi desta vez. Após reunião convocada ao final da sessão ordinária, os vereadores deliberaram por analisar e adiar a votação para a próxima segunda-feira (30), mesmo que em dias de quarentena.
Em tese, o rito seguiu como já estava previsto. As matérias estavam em trâmite no Legislativo. A estimativa é que chegassem a tempo da última sessão ordinária - agora, extraordinária - do mês para que, se aprovada, pudesse ser sancionada a tempo de não infringir a lei leitoral. Não se pode aprovar nada em relação a reajuste para servidores antes de 180 dias da data da eleição - após 4 de abril, no caso.
Neste sentido, o receio do Executivo, ao enviar os substitutivos de última hora, era que os servidores (ativos, inativos e pensionistas) tivessem, se aprovados, ao menos os 2% de reajuste salarial, com validade já para 1º de abril. A Câmara, por sua vez, quer saber se a prefeitura terá caixa para pagar tudo mais que propôs por ocasião da apresentação do plano de cargos, carreiras e vencimentos.
"A Câmara não seria irresponsável de assumir um compromisso com os servidores que não pudesse ser cumprido. Seria uma ação criminosa", frisou o presidente Marcos Rezende (PSD), ainda na tarde desta segunda (23), em uma coletiva conduzida de forma remota com a imprensa.
REVOGAÇÃO
O propósito da segunda 'live' do presidente no dia foi para anunciar que o projeto de lei 1/2020, de sua autoria, que fixa os subsídios (salários) dos vereadores para a legislatura 2021-2024 seria, enfim, votado, em sessão extraordinária - que acabariam por serem duas, exclusivas - na noite desta segunda-feira (23).
"Acho que é um momento importante que a gente delibere sobre essa matéria, passemos uma pá de cal neste assunto e possamos, com isso, oferecer condições ao Executivo para que, ao avaliar o orçamento, tenha condições de verificar que isso não estará incorporando e poderá encaminhar esses recursos para a Saúde neste momento de tanta preocupação para todos nós", argumentou o presidente.
Rezende referiu-se ao repasse constitucional, anual e obrigatório do Executivo para o Legislativo. Trata-se do duodécimo, cujo total é de 1,8% da receita bruta do município.
Para 2020, o valor total reservado à Câmara foi de R$ 18.816.000,00, extraído de um orçamento de R$ 1.074.582.000,00.
Os repasses são mensais, de janeiro a dezembro - daí o nome de 'duodécimo'. Os valores atuais são de R$ 1.568.000,00 segundo o Portal da Transparência do Legislativo. O reajuste no salário dos vereadores, revogado nesta segunda (23), implicaria em um custo adicional bruto de R$ 311.560,08 - resultado da diferença entre o valor total com (R$ 1.364.040,00) e sem (R$ 1.052.479,92) os 29% a mais para cada vereador e 35% ao presidente aos valores agora mantidos em R$ 6.71812 e R$ 7.089,22, respectivamente.
Esta diferença de pouco mais de R$ 311 mil, aliás, é bem abaixo do que o próprio Legislativo tem devolvido aos cofres municipais nos últimos anos. Em 2019, por exemplo, foram R$ 3,3 milhões - acima de dez vezes a mais. Ou seja: a decisão da presidência pela votação, agora, da revogação do subsídio dos vereadores, é muito mais política que financeira.
A propósito de contribuir com o município na disponibilidade de recursos para ações de combate ao coronavírus, a Câmara nem precisaria alinhar com o Executivo um eventual contingenciamento de seu reparte para o orçamento de 2021. Bastaria, como de costume, economizar alguns milhões até o final deste ano e devolvê-los.
Em votação, o projeto de lei 1/2020 seguiu uma celeridade mais do que improvável, a considerar seu histórico: aprovação do reajuste em dezembro, anúncio de recuo de um sexteto de vereadores, devolução do Executivo, promulgação obrigatória pela presidência da casa, dupla apresentação de propositura, aguardo de parecer, início de tramitação, reclamação pública de vereadores, anúncio de espera de novo posicionamento jurídico e votação estimada até o fim do ano.
Somente algo extraordinário poderia influenciar na celeridade desta 'novela' que se tornou a revogação do reajuste do salário dos vereadores. Eis que surgiu o coronavírus e a, digamos, oportunidade. Pautado como objeto de deliberação, o projeto de lei exigiu a realização de duas extraordinárias. Votado a toque de caixa, foi aprovado por unanimidade.
QUÓRUM MENOR
O placar, desta vez, ficou no 11 a 0. Os vereadores Luiz Eduardo Nardi (PL) e Mario Coraíni Junior (PTB) apresentaram atestado médico e não compareceram à sessão desta segunda. Também aqui o 'Efeito Covid' fez a diferença: Coraíni, aos 84 anos e Nardi, aos 72, estão dentro do principal grupo de risco de contágio da doença - acima dos 60 anos. O presidente Marcos Rezende, 61 e o líder do governo, José Carlos Albuquerque, 66, marcaram presença no plenário.
Nota do editor: Em virtude de problemas técnicos da plataforma e de sinal de internet, este post que seria publicado entre segunda (23) e terça (24) foi disponibilizado apenas nesta quarta-feira (25). Aqui o 'Efeito Covid' ficou restrito à necessidade do home office.
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