Impasse da reabertura dos templos prostra igrejas à vontade do Messias da cruz ou do Planalto. Evangélicas em Marília seguem a voz do Ministério da Saúde. Bispo católico diz que momento é de 'ouvir a ciência'. Lei dos homens proíbe volta do rebanho às igrejas
No princípio, não havia igrejas. Ao 5º dia, todas as atividades religiosas de qualquer natureza também foram incluídas às ‘essenciais’ por outro decreto presidencial, publicado em 25 de março deste ano. E Jair Messias Bolsonaro viu que isso era muito bom.
Àquela altura, pelo menos 2.433 brasileiros, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, já haviam partido – quem sabe, ao próprio paraíso –, ceifados pela praga da Covid-19. Até esta quinta (30), a necrologia da pandemia já havia somado pelo menos 5.901 almas, fiéis ou não.
Apesar da benção do presidente, as lideranças religiosas – cristãs, principalmente - estão entre a cruz e o Planalto: em qual Messias confiar a vida e a volta do rebanho aos templos, o sustento do próprio ministério e a credibilidade entre o que pregam e vivem?
A TENTAÇÃO
A quase totalidade de bispos, reverendos, pastores e padres de Marília preferiu, ao menos inicialmente, responder ao senhorio que professam em seus próprios altares, mesmo cientes da vontade do outro Messias – e, quiçá, da própria: diante do risco iminente da pandemia, fecharam seus templos.
Passado um mês da quarentena eclesiástica, no entanto, as primeiras denominações já confessam a qual dos senhores submetem-se a servir – a saber, o do decreto – e retomam, aos poucos, as celebrações presenciais.
É o caso, entre outras poucas, da Igreja Avivamento da Fé. Os poucos fiéis que compareceram ao culto do último domingo (26) foram orientados a “manter as cadeiras nas disposições solicitadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, segundo mensagem projetada no altar e a orientação do pastor.
MINISTÉRIO E PROMESSA
A voz do Ministério – o da Saúde mesmo – foi um mandamento comum partilhado entre os líderes de diferentes denominações evangélicas presentes a uma reunião com o prefeito Daniel Alonso (PSDB), realizada na manhã de sábado (25) no mesmo templo da zona norte de Marília.
Ao final, várias igrejas comunicaram o retorno aos cultos presenciais, desde que respeitadas as regras de espaçamento entre os fiéis, a recomendação do uso de máscaras de proteção e a disponibilidade de álcool gel 70% para higienização antes, durante a após as celebrações.
Maior comunidade evangélica em número de fiéis em Marília segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Assembleia de Deus (Ministério Belém) chegou a anunciar o culto de domingo (26) por suas redes sociais. Depois, recuou.
É que a promessa não passou do primeiro dia. Ainda na manhã de domingo, o prefeito apressou-se em reformar o que estava escrito ao negar que tivesse autorizado a retomada dos cultos na cidade, sob a argumentação de incorrer no descumprimento de uma liminar que o proíbe de permitir aglomerações.
A nova interpretação do encontro frustrou a ala pró-abertura das igrejas. Ignorado, o Conselho de Pastores Evangélicos de Marília (Conpem), não perdoou a tentativa dos colegas. “É uma irresponsabilidade reabrir agora sem uma posição oficial dos órgãos de saúde”, afirmou o presidente Vandir Duarte de Lima, da Igreja Batista da Paz.
Alheios diretamente ao debate, pastores de muitas denominações evangélicas não apenas mantiveram seus templos fechados como não deixaram de celebrar, inclusive com coleta de dízimos e ofertas. Tudo digital: lives em redes e mídias sociais e solicitação de depósitos via internet.
FÉ E RAZÃO
As celebrações exclusivamente online são a única atividade autorizada pela Diocese de Marília. A exemplo das autoridades civis, Dom Luiz Antonio Cipolini também expediu o seu decreto, uma semana antes ao do presidente. Ele determinou que as igrejas permanecessem “abertas, ventiladas e higienizadas”, mas apenas para “a oração individual de fiéis”. Veja:
Em homilia transmitida ao vivo na noite de segunda-feira (27), o bispo de Marília voltou a posicionar-se contra a retomada das celebrações coletivas e presenciais nas igrejas. Apesar da fé, dom Luiz enfatizou que o momento é de se “ouvir a ciência”.
“O que está funcionando verdadeiramente é o distanciamento social. Por isso, quando eu, podendo fazer o distanciamento não o faço, coloco a minha vida, e o que é bem problemático, a da minha família, da minha comunidade e da minha cidade em risco”, afirmou o bispo.
Dom Luiz afirmou ainda ser “o mais preocupado com o fechamento das igrejas”, mas que precisa preservar o direito de seus fiéis de irem à missa “sem medo de louvar a Deus”. “Vamos intensificar as nossas orações e também os cuidados de higiene para que logo esta pandemia passe e nós possamos nos reunir em nome de Jesus ressuscitado”, concluiu o bispo.
LEI DOS HOMENS
Apesar de professarem a Lei de Deus, as igrejas precisam recorrer à dos homens se quiserem reabrir seus templos. Neste segundo caso, a salvação seria o decreto presidencial. No entanto, as escrituras legais, dada a natureza exclusivamente humana, assim ordena em seu sétimo parágrafo:
“Na execução dos serviços públicos e das atividades essenciais de que trata este artigo devem ser adotadas todas as cautelas para redução da transmissibilidade da covid -19”. Ou seja: as instituições religiosas terão que seguir a catequese sanitária do Ministério da Saúde e da OMS para proteger seus rebanhos.
Embora nem sejam citadas no decreto estadual de quarentena, em vigor desde 24 de março, as igrejas acabaram incluídas entre as entidades cujas atividades foram suspensas na cidade por determinação de legislação municipal, sob pena de multa, interdição e até prisão de suas lideranças.
É o que determina o Decreto 12.979 de 21 de março de 2019, que trata especificamente sobre as igrejas. Segundo o texto, a “suspensão e proibição” de missas e cultos é imposta “nos termos da decisão liminar deferida pelo Juízo da 14ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo na ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo” que, por sua vez, determina o cumprimento do decreto estadual e das orientações sanitárias das autoridades sanitárias paulistas.
Tal decisão provisória é a mesma que tem impedido muitas empresas do comércio de reabrirem suas portas por estarem entre as que exercem atividades não essenciais – o que não é o caso das igrejas, a considerar a graça concedida pelo decreto presidencial.
A interposição de decretos e decisões judiciais deixam as igrejas em um dilema dos diabos para decidir a quem seguir daqui pra frente: o presidente que permite, o governador que se omite ou o prefeito que proíbe, sob o julgo da Justiça? Na dúvida, a maioria tem procurado servir a Deus mesmo.
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