Sancionada na íntegra, lei amplia flexibilização de atividades econômicas em Marília além do permitido pelo Plano São Paulo a partir desta segunda (27), com direito a ‘efeito retroativo’ para atingir maior número de segmentos. Falta de segurança jurídica deixa mercado à própria sorte. Queda de legislação pela Justiça é só uma questão de tempo
Estabelecimentos comerciais que integram o comércio de rua, shopping centers, bares, restaurantes, cabeleireiros, barbearias, manicures e afins, academias, centros de ginástica e clubes esportivos estão autorizados, a depender de cada caso, a reabrir as portas e/ou ampliar o horário de atendimento a partir desta segunda-feira (27) em Marília.
É o que garante o ‘Plano Estratégico de Retomada das Atividades Econômicas’, cujo projeto de lei foi aprovado na última segunda (20) em sessão extraordinária pela Câmara Municipal. A nova legislação de flexibilização em plena pandemia de Covid-19 foi sancionada, na íntegra, nesta sexta (24), pelo prefeito de Marília, Daniel Alonso (PSDB).
Na prática, o chefe do Executivo apenas tornou oficial o que prometera dias antes: assinaria a nova lei caso a região fosse, por exemplo, mantida na ‘fase 2 – laranja’ na reclassificação do Plano São Paulo anunciada nesta sexta (24) pelo governo paulista. Com a confirmação, Alonso cumpriu a palavra.
“Em razão desta boa avaliação do próprio Plano São Paulo para a nossa região e, trazendo para a realidade de Marília, com o aval de toda a equipe da vigilância e da Secretaria de Saúde e do próprio comitê de gestão, nos permitiu sancionar um projeto lei aprovado permitindo que algumas atividades que estavam sem funcionar, a exemplo dos restaurantes, possam estar trabalhando”, afirmou Alonso.
REGRAS DIFERENTES
Apesar de reconhecer a adesão do município ao Plano São Paulo em seu artigo 2º, o ‘Plano Estratégico’ de Marília institui uma flexibilização alheia à definida pelo estado aos municípios classificados na ‘fase’ 2’. Apesar da nova lei municipal, o regramento estabelecido pelo governo paulista para abertura de estabelecimentos diz:
“Na fase laranja, shoppings centers (com proibição de abertura das praças de alimentação), comércio de rua e serviços em geral podem funcionar com capacidade limitada a 20%, horário reduzido para quatro horas seguidas e adoção dos protocolos padrão e setoriais específicos. Fica proibida a abertura de bares e restaurantes para consumo local, salões de beleza e barbearias, academias de esportes em todas as modalidades e outras atividades que gerem aglomeração”.
O ‘Plano Estratégico’ de Marília, por sua vez, assim definiu:
· Shopping centers: as praças de alimentação estão liberadas.
· Comércio de rua e serviços em geral: limite de atendimento de um cliente para cada 12,5 metros quadrados de área útil.
· Horário de atendimento: seis horas (10h às 16h) para comércio de rua e até oito para shoppings (12h às 22h, de segunda a sábado)
· Bares e restaurantes: permitida a abertura com limite de atendimento de público.
· Salões de beleza, barbearias, academias e clubes: permitida a reabertura, respeitando-se as regras de higienização e contingenciamento.
‘EFEITO RETROATIVO’
Publicado no Diário Oficial do Município de Marília (DOMM) deste sábado (25), o ‘Plano Estratégico’ tem validade, segundo anunciou o prefeito de Marília, a partir desta segunda (27). Detalhe: embora dividido em duas etapas, a aplicação da lei já começará a partir da segunda.
“No nosso entendimento, a primeira etapa nós já cumprimos, que foi esta semana que está se encerrando”, justificou o prefeito. “Estamos respeitando o Plano de São Paulo sim, mas fazendo adaptações funcionais segundo a nossa realidade e necessidade”.
Em tempo: as “adaptações funcionais” às quais Daniel Alonso se refere são todas as concessões que o município regulamentou por si, apesar do Plano São Paulo. “Não é minha intenção e nem quero mais ser chamado de rebelde, de querer fazer a nossa própria classificação”, afirmou.
RISCO JURÍDICO
A pressa do município na ampliação da flexibilização dos estabelecimentos em geral tem uma explicação jurídica: não há segurança na aplicação da lei. Nem antes, nem agora. Como blog revelou, com exclusividade, a lei é um plágio de outra aprovada em Bauru (SP), mas já derrubada pela Justiça.
Diante deste cenário, mal acabou se ser sancionada, a lei em Marília já está na mira do Ministério Público (MP) e da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. A considerar julgamentos recentes favoráveis ao Estado em situações semelhantes, a derrubada da flexibilização por aqui é apenas uma questão de tempo.
A imprevisibilidade da vigência da nova flexibilização em Marília preocupa até setores que pleiteavam há meses a retomada das atividades presenciais como os bares, restaurantes e similares. “O decreto é muito genérico e vago para o nosso setor”, avaliou o presidente do sindicato da categoria em Marília, Sinval Gruppo, referindo-se à lei sancionada nesta sexta (24).
Caberá a cada empresa avaliar, por exemplo, a quantidade da compra de itens perecíveis como carnes, verduras e frutas, para atender o consumo nos estabelecimentos e também os pedidos de entrega (delivery). “Não teremos garantia do tempo que ficaremos abertos”, alertou o sindicato em comunicado enviado aos empresários.
Nem a Prefeitura de Marília, tampouco a Câmara Municipal, contestam a insegurança jurídica da lei. “É missão do prefeito e dos vereadores defender os interesses do município. E é exatamente isso o que estamos fazendo”, tergiversou Alonso.
“Acreditamos que desta vez o Ministério Público, que exerce seu papel, tenha sensibilidade de olhar para Marília, de fazer comparação de dados, de ver a estrutura de saúde que nós montamos aqui e, verificando os índices, possa manter esta vontade que vem da cidade. O prefeito não toma nenhuma decisão de si. Estamos aqui para fazer valer a vontade do nosso povo”, afirmou Alonso.
O presidente do Legislativo, Marcos Rezende (PSD), por sua vez, exaltou “a coragem e o trabalho” do prefeito e “a harmonia que existe entre o Poder Executivo e o Legislativo”.
REALIDADE DISTINTA
A expectativa depositada pelo prefeito em uma eventual – e pouca provável – análise favorável do MP em relação à nova lei está calçada nos números atuais apresentados pelo município e utilizados com frequência pela gestão municipal para justificar e reivindicar sua autonomia nesta pandemia. Confira abaixo boletim divulgado neste sábado (25):
Sede da única região a ficar no vermelho na variação de óbitos na atualização de ‘status de indicadores’ do Plano São Paulo, divulgada na sexta-feira (24), Marília não registra mortes por Covid-19 há duas semanas. A 18ª e última foi confirmada no dia 11 deste mês.
Mesmo assim, a cidade acabou mantida na 'fase 2 - laranja' em decorrência, principalmente, do aumento no número de mortes ocorridas em cidades que compõem a jurisdição de sua Diretoria Regional de Saúde (DRS). Veja abaixo como ficou a classificação em todo o estado de São Paulo:
Até sexta-feira (24), a ocupação total de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e enfermarias reservadas apenas para tratamento da Covid-19 era de 32% - 51 ocupados de 157 disponíveis. A parcial foi divulgada pelo secretário municipal de Saúde, Cassio Luiz Pinto Junior.
“O importante é que cidade consiga controlar a ocupação de leitos e mantenha à disposição da população uma capacidade de atendimento tranquila. É o que temos tido até agora”, afirmou o secretário. “Marília tem condição muito favorável, o que demonstra que todas as decisões tomadas pelo e aplicadas por nossa equipe de saúde foram assertivas”, concluiu.
Apesar de ter sido mantido na 'fase 2 - laranja' pelo critério de classificação regional do Plano São Paulo, o município de Marília tem apresentado números que, em tese, já poderia tê-lo progredido, pelo menos um ou dois degraus à frente na flexibilização de suas atividades. Veja comparação feira pela prefeitura com outras cidades-sedes regionais:
No entanto, o que vale no momento é o que define o governo estadual em relação a cada uma de suas regiões - e não a realidade específica de cada município. Assim, quaisquer iniciativas - inclusive legislativas - promovidas pelos executivos locais estão fadadas a terem pouco efeito, a exemplo da nova lei de flexibilização aprovada em Marília.
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